sábado, 22 de dezembro de 2012

Sonho de Natal



Acordou no meio da noite ouvindo ruídos estranhos pela janela do seu quarto. Seriam sinos? Não, já era madrugada e não havia igreja, escola ou bombeiros por perto. Onde mais poderia haver sinos?
Devia estar sonhando...
Ouvia um farfalhar de tecido misturado com papeis. Algo indefinível àquela hora e naquele estado de torpor tentando voltar a dormir. Permaneceu com os olhos fechados tentando ignorar.
Sabia que era madrugada pois ainda estava escuro e havia deitado muito tarde, e agora aquilo... escolhera morar em um andar alto no centro da cidade para evitar os ruídos normais nas noites de condomínios ou bairros residenciais.
Havia também o som de vozes. Uma voz mais forte resmungava e outras vozes menores argumentavam. Teria ele vizinhos novos e bagunceiros a ponto de acordá-lo no meio da noite?
Cavalos... Abriu os olhos. Cavalos? Ao lado da sua janela no 17º andar? Estaria sonhando que estava acordado pensando que estava sonhando? Não. Estava acordado, e quanto mais desperto ficava, mais nítidos iam se tornando os sons.
Abriu a janela disposto a passar uma descompostura naqueles mal educados. Onde já se viu, no meio da noite fazendo barulho com sinos, conversas, pacotes e suas renas...
- Até que enfim! Pensei que ficaria mais 20 anos esperando tu abrir essa janela. – Aquela voz de trovão ecoou na sua cabeça por alguns momentos que pareceram longos demais.
- Papai Noel?
- Olha, não me chamando de santa, pode chamar do que quiser, mas Noel ta bom. Eu tenho um brinquedinho aqui pra ti...
- Mas eu não pedi nada. Quer dizer, isso não pode. O Sr. não existe!
- A ta... Não vem com esse papo agora! Olha, não vamos entrar em polêmicas que eu tenho um monte de coisas pra fazer. Ta aqui o teu boneco do Esqueleto.
- Esqueleto? Mas eu pedi foi o He-Man e isso já faz quase 20 anos.
- Olha meu filho, a vida ta dura, o trabalho só aumenta, esses duendes estão cada vez mais difíceis de lidar, com sindicato e tudo o mais, tive que pegar um trenó menor porque uma ONG protetora de animais me acusou de maus tratos contra os animais, as pessoas não param de fazer filhos que por mais tecnológicos e céticos que estejam se tornando, quando chega o natal todo mundo resolve acreditar. A gente faz o que pode pra atender a todos, mas às vezes demora um pouco. Pega aqui o teu presente.
- Eu queria era o He-Man que eu perdi na lagoa...
- Faz o seguinte, escreve uma cartinha, mas não esquece, tem que se comportar e tirar notas boas. – dizendo isto pegou as rédeas e fez suas renas galoparem pelo céu.
Ele ficou ali parado na janela olhando para o nada, com seu brinquedo nas mãos e em seus ouvidos ecoando...

Ho, ho, ho... FELIZ NATAL!


Aquele abraço!

domingo, 18 de novembro de 2012

Corridinha



To dando a minha corridinha matinal...

Peraí, não contei isso ainda. Agora eu sou um atleta, ou um candidato a isso, e já faz mais de um mês. Pode parecer pouco para a maioria, mas para mim é muito.
Todos os dias eu espero o ônibus que leva a minha filha ao colégio, aceno para o motorista com aquela intimidade que só têm aqueles que se conhecem apenas “de vista” e começo o meu treino. Caminho até o campinho do parque Alim Pedro, aqui perto de casa, conversando com os vários cachorros da vizinhança, e ali na pista atlética dou minhas voltinhas.
Não é nada de mais. Algumas voltas correndo, intercaladas com uns pedaços caminhados.
De manhã, pelo menos agora na primavera é muito bom. O sol nascente aquecendo aos poucos, sem queimar a pele, o ar leve da manhã, o arvoredo, os passarinhos, ouvindo no rádio o meu amigo Beto Xavier e sua seleção musical sempre qualificada, enfim, tudo favorece.
A cada dia quando começo penso que desta vez não vou conseguir completar a série, mas vou indo, vou indo e quando me dou por conta já estou próximo do final, e assim, aos poucos vou melhorando meu condicionamento físico e mental.
Sempre tem um monte de gente correndo e caminhando, a maioria assim mais pra lá do que pra cá, como eu, velhinhos. Tem profissionais e amadores, tem gente com personal trainer, e eu me metendo entre eles.
Comprei até tênis de corrida, coisa que nunca tive na vida.
Bem, mas como ia dizendo, estou dando a minha corridinha quando passo por uma senhora exercitando sua caminhada de saia. Com tênis de caminhada, camiseta e saia. Claro que ela é bem mais antiga do que eu, mas fazer caminhada de saia? Cada uma... Sigo meu trote e passo por outra senhora, esta, aparentemente mais jovem caminhando em ritmo acelerado, mas de sapato. Ela veste um traje tipo aqueles terninhos que as executivas usam e sapatos.
Será que passou por ali, viu o pessoal se exercitando e, motivada resolveu caminhar assim mesmo? Quem sabe foi abduzida quando estava indo trabalhar e, largada ali, continuou caminhando em transe? Imagino que resolveu caminhar naquele dia de qualquer forma, despreparada, só que no outro dia ela está lá de novo, e no outro também, sempre do mesmo jeito, com a mesma roupa e o mesmo sapato. Tenho vontade de falar com ela. Perguntar por que motivo ela caminha naqueles trajes. Não tem dinheiro para comprar tênis? Está pagando alguma promessa? Se odeia e está tentando arranjar uma lesão?
Claro que não vou falar nada. Sabe lá o que pensa quando eu passo por ela correndo esbaforido, com meio metro de língua pra fora.
Sigo correndo e caminhando, passando por alguns, sendo ultrapassado por outros, cada um no seu ritmo, cada um com seus propósitos, e principalmente, cada um na sua. Gente normal que não está ali para impressionar, só tentando melhorar a vida. Sigo correndo e torcendo para que aquela senhora não se machuque e que eu consiga chegar ao final do meu treino.

Aquele abraço!

domingo, 28 de outubro de 2012

Direitos



Vocês sabiam que é proibido falar ao celular em agências bancárias?
É para evitar o tal golpe da “saidinha”, quando os bandidos observam as pessoas sacando dinheiro e ligam para os comparsas que estão esperando lá fora. Se não puderem usar o celular não poderão avisar os comparsas sobre os saques dos clientes.
 Muita gente sabe disso, mas pouca gente liga. É uma lei como a maioria das outras, que não é cumprida, porque a fiscalização é frouxa e porque as pessoas não dão bola. Precisa telefonar ou atender à chamada, fala e pronto. Está “no seu direito”. As pessoas sentem-se prejudicadas se são impedidas, mesmo sendo exclusivamente para sua proteção. Assim como as famigeradas portas giratórias. Tem gente que surta quando fica trancada na porta, mas não se da conta de que é só por causa destas que ninguém entra armado em banco.
Vocês sabiam que tem outra lei que proíbe aparelhos sonoros em transportes coletivos? Rádio, MP3, MP4, Ai isso, Ai aquilo, qualquer coisa que toque músicas, mesmo boas, em volume alto. Não sei se é uma nova ou é reedição de outra antiga, pois lembro de já existir esta lei quando eu era jovem.
Deveria existir uma lei que proibisse proferir palavras de baixo calão em lugares públicos. Existe? Sério? Mais uma desprezada...
Semana passada fiquei com pena de uma senhora que sentava à frente de dois rapazes no ônibus. Os caras falavam muitos palavrões, mais do que não-palavrões numa conversa que deveria ser normal. Em altos brados, e esta é outra coisa chata. Porque as pessoas falam tão alto? Dificilmente ando acompanhado no ônibus, mas quando encontro alguém e conversamos, o tom é baixo, não por ser segredo, mas por que ninguém tem nada a ver com os meus assuntos. Tem aqueles que vão em dupla, sentam os dois na janela, um na frente do outro e ficam conversando.
Assim é no celular também. No ônibus, no shopping, no restaurante, fala-se ao celular, agora ilimitado, como se falasse com a vizinha do outro lado do muro. Nem precisaria do telefone.
Esses dias enquanto almoçava, uma moça na mesa ao lado falava ao celular. Alto. Muito alto.
E não parava de falar, intimidades, reclamações, fofocas. E comia, e falava com a boca cheia. Uma hora quase pedi para que ela repetisse, pois não havia entendido o que dissera.
Às vezes me espanto com certas pessoas, como podem ter tanto assunto? Falam e falam e perguntam. Não que ache ruim, nada contra, apenas estranho. Até invejo, porque não sou de falar muito. Ao telefone então, menos ainda. Dou meu recado, até converso um pouco, mas saio do ar em seguida, e procuro falar baixo.
Não sei se isso é uma questão de educação ou bom senso. Também não sei se tenho razão, só que estas coisas me incomodam. O excesso de direitos hoje em dia, ou melhor dizendo, o direito excedido nos seus limites. Antigamente a gente aprendia assim: os teus direitos acabam onde começam os direitos do próximo, mas esta deve ser mais uma “lei” revogada pela sociedade moderna.


 Aquele abraço!

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Amizade



Hoje eu to triste, e não é porque a novela ta acabando, nem pelo resultado da eleição, nem porque ta chovendo e eu não posso sair de moto.
Estes seriam motivos para me entristecer, mas essas coisas são pequenas, corriqueiras, a gente acaba superando.
Pra isso que serve a vida. Desde pequeno a gente aprende a sofrer, a lidar com as frustrações e dar a volta por cima. De uma forma ou de outra, as coisas ruins acontecem, nos abalam e com o passar do tempo vão perdendo a importância, vão ficando para trás.
O que me entristeceu hoje foi algo muito mais sério. Algo com o que eu não sei lidar muito bem.
A tristeza da minha filha.
Sempre foi assim, com ela e com o mano dela. Com crianças em geral, pela perda fracionada da inocência que causam os pequenos sofrimentos da infância, e filhos são sempre crianças para os pais.
Não posso ver uma criança sofrendo. Muito mais meus filhos.
Chorar pela dor de um machucado, pela perda em um jogo ou brincadeira é normal e acho que da mesma forma vai preparando para dores maiores, mas aquela lágrima sofrida causada por decepção, traição, violência, é muito doída e dói em mim também.
Os corações puros não conseguem entender as razões e por isto sofrem, por não verem lógica em determinados comportamentos. Pais violentos, amigos infiéis, estas coisas.
Com o passar do tempo e com as experiências da vida, vão conhecendo melhor as pessoas, diferenciando umas das outras. Entendendo um pouco a natureza humana passam a se proteger. Com sorte no decorrer da vida não se tornarão pessoas amargas e entristecidas.
Hoje ela chegou do colégio e disse que estava muito triste. A princípio pensei que fosse uma de suas brincadeiras, mas quando começou a contar e não conseguiu terminar, com a voz embargada pelas lágrimas, percebi que a coisa era séria.
Ela tem poucas amigas e ama suas amigas. Hoje, por algum motivo a relação com algumas do colégio não está boa, o que a levou a imaginar um distanciamento maior e permanente.
Ela tem outras amigas, outros amigos, namorado; também já passou por situações parecidas em outros tempos e sofreu da mesma forma. Tomara que ela esteja enganada e que eu esteja com a razão ao pensar, que se trata apenas de uma crise e que daqui a uns dias tudo voltará ao normal, mas novamente, o que me doeu foi aquele olhar. Não entender o que está acontecendo, a decepção, a perda.
Torço para que isso passe logo e que voltem a ser a mesma turma unida e animada de antes, que se não puder ser assim, que ela supere logo e que permaneça a mesma pessoa alegre e sonhadora, não se deixando endurecer pela vida, torço ainda para que elas leiam este texto e se dêem conta do quanto uma significa para a outra, saibam do valor das amizades sinceras, percebam que as pessoas mudam, que têm cada uma seus problemas, seus sonhos e realidades, que crises ocorrem sempre, mas que este sentimento não acaba.


Aquele abraço!

domingo, 30 de setembro de 2012

Crescimento



Eu tenho um apelido. Já falei sobre isso quando descrevi as emoções e problemas que tive com meu nome na infância, muitos deles relacionados ou derivados deste mesmo apelido.
Na família e entre os amigos de infância sou o Néco, e este apelido vai ficando, se mantendo e renovando com as novas gerações. Sou o tio Néco, dindo Néco e assim vai indo. Em breve, ou nem tanto, serei o “Vô Néco”.
Eu gosto. Parece que aproxima mais, dá mais intimidade, casualidade nas relações. Assim como prefiro ser tratado por “tu” a “Senhor”. Por mais que a relação seja profissional ou tradicional sempre me parece estranho ser chamado de “Senhor”. Ser chamado de “Você” me causa mais estranheza ainda, pior quando vem de alguém aqui do sul onde usualmente nos tratamos na segunda pessoa.
Na rua onde morei na infância/adolescência tínhamos uma turma muito boa, vários piás mais ou menos da mesma idade, com guris e gurias interagindo. Uma rua padrão Turma da Mônica, com as crianças brincando e jogando na rua, tempo em que os maiores crimes, quebrar vidraças e flores das vizinhas com bolas perdidas do jogo de taco ou futebol, eram punidos com penas severas, variando de chineladas e castigo até sermões intermináveis.
O estranho é que neste ambiente onde vivi a transição para a vida adulta, só eu tinha apelido os outros todos eram tratados pelo nome, mas conheci alguns anos mais tarde um pessoal de outro local onde absolutamente todos eram tratados por apelidos, os mais estranhos, dentre estes o que mais me chamou à atenção foi o Cabeça.
O Cabeça era um cara meio estranho, não só pela sua cabeçorra, que lhe valeu o apelido, mas também pelo seu jeito esquisito. Talvez fosse assim esquisito por causa da cabeça, pois ela justificava o apelido. Talvez fosse por causa do apelido, que ressaltava as proporções de sua cabeça, que por sinal, não era só grande, ela era feia. Muito feia.
Mas na real o Cabeça não se importava muito com isso, ou pelo menos era o que parecia. Ele usava aquele cabeção raspado, reluzente. Uma mente brilhante.
Desfilava com aquela cabeça em cima do pescoço. Parecia uma moranga campeã de feira agrícola. Parecia ter orgulho.
A gurizada da rua gozava da cara dele, e ele não dava a menor bola. Não tinha vergonha. Andava com os outros e vivia como se fosse normal alguém ter uma cabeça daquelas.
Lembrei disso porque esses dias vi um piazinho chorando, reclamando que os outros guris estavam chamando ele por um nome feio.
Deu pena dele, mas ao mesmo tempo pensei que isso pode ser bom para a sua formação. Frustrações, decepções, contrariedades, podem ser benéficas quando se sabe lidar. Se tiver apoio e orientação, futuramente terá força e saberá assimilar melhor os tropeços e rasteiras que a vida há de lhe pregar.
Portanto, um salve aos apelidos, ao bullying e aos “amigos” da infância e de todas as épocas que nos dão experiência e nos servem de instrumentos para crescer.


Aquele abraço!

domingo, 2 de setembro de 2012

Crivo



Crivo... Quem aí sabe o significado desta palavra?
Sabe que muito antigamente, lá pelos meados dos anos 70 do século passado apareceu uma expressão entre a “magrinhagem”, quando alguém estava sem cigarros pedia: Me passa um crivo. Tem até uma música que usa essa expressão.
De onde será que veio isso? Crivo é, para encurtar a história, uma coisa cheia de furos. Antes eu ouvia a expressão “crivado de balas” e imaginava o cara cheio de balas, mas isso se refere aos furos causados pelas balas e não às balas em si. Crivo é também o nome dado àquela telinha que tem nos confessionários, por onde passam as confissões dos sórdidos pecados cometidos pelos fiéis de algumas religiões. Também pode ser uma peneira, e aí sim chegamos perto do nosso assunto.
Dia desses passei por uma situação que me fez lembrar meus tempos de estudo mais dedicados do kardecismo. Não vou contar o que me aconteceu, mas comentar uma passagem interessante envolvendo o filósofo Sócrates.

Conta-se que certa feita um homem esbaforido achegou-se a ele e sussurrou-lhe aos ouvidos:
- Escuta, na condição de teu amigo, tenho alguma coisa muito grave para dizer-te, em particular.
- Espera, ajuntou o sábio prudente. Já passaste o que me vais dizer pelos três crivos?
- Três crivos? - perguntou o visitante, espantado.
- Sim, meu caro amigo, três crivos. Observemos se tua confidência passou por eles. O primeiro, é o crivo da verdade. Guardas absoluta certeza, quanto àquilo que pretendes comunicar?
- Bem, ponderou o interlocutor, - assegurar mesmo não posso. Mas ouvi dizer, então...
- Exato. Decerto peneiraste o assunto pelo segundo crivo, o da bondade. Ainda que não tenhas certeza do que julgas saber, será pelo menos bom o que queres contar?
- Isso não. Muito pelo contrário, declarou o homem.
- Então recorramos ao terceiro crivo, o da utilidade, e notemos o proveito do que tanto te aflige.
- Útil não é.
- Bem, rematou o filósofo num sorriso, se o que tens a confiar não é verdadeiro, nem bom e nem útil, esqueçamos o problema e não te preocupes com ele, já que nada valem casos sem edificação para nós.

Quer dizer, quando ouvires algo sobre alguém, especialmente se este de alguma maneira te é caro, passa tu mesmo o assunto pelos três crivos de Sócrates para que não sejas injusto nem aceites searas de desconfiança semeadas por outrem em tua consciência.
Traduzindo: Te liga! Nossa vida sustenta-se nas relações. Amizades são construídas à longo prazo e seus pilares não devem ser abalados por qualquer desconfiança ou maledicência.


Aquele abraço!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Lugares


Quando era criança, ir ao centro da cidade era um evento importante, uma experiência quase transcendental, mística até. A gente tinha que tomar banho, “se arrumar” e pentear o cabelo.
Morávamos na Tristeza e só saíamos do bairro por algum motivo muito importante como ir ao médico, comprar roupas ou tirar retrato.
Deixa eu abrir um parêntese aqui. Por que será que quando nos referimos ao bairro Tristeza, dizemos “na” Tristeza, ou “a” Tristeza, sem nos preocuparmos com trocadilhos ou cacofonia, ou ainda com má impressão que possa causar?
Usamos sem temor, expressões como “Nasci e me criei na Tristeza” ou “Estamos entrando na Tristeza”, ou ainda “O estádio do colorado fica ali, quem vai pra Tristeza”. Esta última até que combina, mas poderíamos dizer de outra forma.
Por exemplo, tem uma cidade na subida da serra gaúcha chamada Feliz, e quando por descuido nos referimos a ela dizendo “em” Feliz, os habitantes ou migrantes de lá sempre nos corrigem, pois não se diz “em” Feliz, mas “NA” Feliz. Tudo para evitar mal-entendidos, pois foneticamente pareceria que a pessoa vive infeliz ao invés de em Feliz.
É uma confusão e também uma bobagem. Apenas me ocorreu agora que com “a” Tristeza não tem isso.
Bom, deixa isso pra lá. Voltemos ao centro.
Então eu tenho este quase-fetiche em relação ao centro.
Trabalhei a maior parte da minha vida produtiva no centro, estudei no centro, morei no centro e mesmo hoje estando longe, quando posso dou uma passada por lá para matar a saudade.
Não tem muito como explicar isso. O centro é sujo, quando não está atopetado de gente que nem da pra caminhar, está deserto e propício à ação dos meliantes. Muitas pessoas detestam o Centro. Ir, passar ou estar nele causa arrepios.
Eu não. Eu gosto.
Dia desses estava de folga e aproveitei para dar uma passada e uma passeada por lá, vindo “da” Tristeza.
Impossível não passar pelo Mercado, mesmo não comprando nada, olhar as bancas e sentir os cheiros, tomar um café, “dar uma banda” na Voluntários, entrando nos bazares, ferragens e lojas de calçados, só para “dar uma olhadinha”. Passear pelo Centro, mesmo sem muito tempo, apenas “de passagem”, é uma coisa que me dá muito prazer. Me sinto em casa.
Sou morador da Zona Norte há alguns anos e agora trabalho por aqui, mas ainda estou me ambientando, descobrindo seus lugares, suas ruas, praças e conhecendo as pessoas.
Cada local tem suas sutilezas e seus encantos.
Gosto do meu Centro, da minha Tristeza e aos poucos vou me acostumando, gostando e fazendo também minha esta ZN.


Aquele abraço!

sábado, 21 de julho de 2012

Sono


Quem ronca é sempre o que dorme primeiro.
Um adormece, o outro não, aí o que está dormindo começa com leves ressonâncias e o outro que já está com o ouvido calejado por inúmeras noites semi-insones não consegue desligar daquele ruído, por menor que seja, e por menor que seja vai aumentando e aumentando...
Pelo menos na percepção do acordado, ou melhor, da acordada, porque quase sempre é a mulher que não ronca, ou não dorme.
Isso tem um motivo óbvio. O homem chega cansado, depois de se matar em um dia duro de trabalho, aí quando vai para o leito, deita e dorme. Já a mulher fica em casa o dia todo, só fazendo tricô, cuidando dos filhos e fofocando com as vizinhas. Claro que quando vai deitar não está cansada e demora a adormecer. Isso quando não quer “coisinha”...
Calma!
Eu sei que o trabalho de dona de casa é muito duro, e que nos dias de hoje todas as mulheres trabalham fora, e que vocês foram injustiçadas por muito tempo, e que isso é passado. Nossos antepassados pensavam assim.
Só fiz esta brincadeira para vermos como a mulherada sofre com este problema desde o começo dos tempos.
Estou usando o exemplo de um casal heterossexual, como era o padrão antigamente. Um casal de mulheres não deve ter este problema, já um de homens...
Eu não sofro com este problema, ou seja, estou do outro lado. Sou o que dorme.
Um dos meus irmãos já fez tratamento, cirurgia no palato, usou aparelho para dormir, e nada funcionou. Hoje em dia ele não tem mais este problema. Está separado. Agora ele dorme tranquilamente e pode roncar à vontade.
A minha patroa, a Bianca, quando a gente começou há alguns anos achava lindo o meu “ronquinho”, depois começou a comentar com certo tom de desagrado que havia acordado durante a noite. Hoje em dia ela me acorda de madrugada, ou tenta me acordar, e faz muxoxo de manhã.
Já lhe mostrei casos piores, como o de um vizinho meu que ronca lá no apartamento dele e faz vibrar os vidros da minha área de serviço, mas o sofrimento das outras não abranda o seu. Saber que uma outra sofre não apenas com a insônia, mas também, provavelmente com dor de cabeça não faz com que ela suporte melhor meu suave ressonar.
Começo a pensar que isso realmente atrapalha o seu sono, mas ela está autorizada a tomar atitudes extremas para me fazer parar, desde tentar me virar “de lado” até tirar minhas cobertas no inverno, me derrubar da cama ou jogar água.
Quero aqui pedir desculpas publicamente. Por mais que o ronco seja involuntário, sei que uma noite mal dormida é horrível, ainda mais quando o sono é interrompido por um barulho de motor ao pé do ouvido.
Prometo que vou melhorar, ta amor?
Tudo pela preservação do sono de conchinha, mas o lance da água era brincadeira, viu?!?!


Aquele abraço!

domingo, 24 de junho de 2012


Por que será que as coisas mais legais acontecem com a gente quando estamos sozinhos, sem ninguém para testemunhar?
Também tem coisas ruins, só que estas não contam. Melhor que ninguém saiba mesmo, mas as legais deveriam ser notórias, registradas em vídeo ou foto.
Muitas destas coisas legais acontecem em grupo ou em público. Aí, tudo bem, todo mundo ta vendo, se não todos, pelos menos alguém testemunha.
Por exemplo, dia destes estava tomando banho, sozinho, como de hábito e ao preparar para lavar o rosto, com os olhos fechados sob o fluxo de água do chuveiro, o sabonete me escapou da mão.
Saiu da mão direita numa trajetória ascendente desenvolvendo uma parábola para a esquerda em direção ao solo quando eu o aparei com a outra mão, a meio caminho do chão.
Com os olhos fechados!
É ou não um feito memorável?
Quantos cálculos e projeções foram processados no meu limitado cérebro naquela fração de segundo a ponto de saber a localização precisa do objeto no seu deslocamento?
Seria isso fruto de uma capacidade inata? Uma tendência à engenharia espacial? Quem sabe minha trajetória ocasional pelas ciências exatas em desenvolvimento de sistemas não tenha sido tão incidental assim.
Talvez os anos de prática em artes marciais orientais me tenham proporcionado esta visão além do alcance, e sem a Espada Justiceira.
Isso foi ninja de fato!
Quero deixar claro que meu desejo de documentar este feito nada tem a ver com tomar banho coletivo e deixar o sabonete cair. Nestes casos, se escapar o sabonete e não conseguir evitar a sua queda, melhor encerrar o banho e deixar o sabonete lá para o pessoal da limpeza.
Quer ver outra? Uma vez, quando criança, estava em casa, ao lado do tanque de lavar roupas, não sei fazendo o que, nem por que estava com uma faca na mão, nem é relevante para a narrativa.
De repente apareceu um marimbondo. Aquele da musiquinha “Marimbondo, bicho feio, pé redondo e ... vermeio”.
Bem, não sei de onde ele veio, nem o que eu fazia ali com a tal faca na mão, mas lembro que o decapitei em pleno vôo.
Claro, esta não é uma história muito bonita. Hoje em dia não faria tal coisa, mas naqueles tempos se matava tudo que não fosse animal doméstico. Ainda mais um marimbondo, tido como perigoso. Quase peçonhento.
Quando olhei para o chão lá estavam o corpo e a cabeça. Separados. Cirurgicamente separados. Contei isso no colégio, com o maior orgulho e ninguém acreditou.
É o que eu digo, a falta de fé vai acabar com a humanidade.
Espero que, pelo menos na história do sabonete vocês acreditem. A do marimbondo deixa pra lá. Até por que me arrependo dela. Acho que quando passar pelo céu dos marimbondos sofrerei as conseqüências...


Aquele abraço!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Há males que ve para bem. Ou não...


Nada como uma boa dor de cabeça pra fazer a gente repensar atitudes, hábitos e vícios.
Cheguei em casa hoje à tarde com aquela dorzinha no corno direito. Aquela que vai puxando de dentro do olho, sabe?
Mas era uma dorzinha de leve, suave como ex-mulher querendo dinheiro, então não dei muita bola. Tomei meu café tradicional da tardinha com um sanduíche de croissant com presunto e queijo.
Light.
Claro, porque o normal teria maionese. Muita maionese, e é isso que classifica um alimento como light, vocês sabiam? Ter menos gordura ou açúcar do que o normal. Aproximadamente 25% ou por aí. Então, o meu "sanduba" era light, sim!

Bom, aí a coisa começou a ficar séria, porque além de aumentar a dor de cabeça, começou um leve "malestar".
Neste momento percebi a minha burrada, minha falta de atenção para com meus sinais biológicos.
Aquela dorzinha inicial era o aviso de algum desarranjo no bucho, e já não era mais suave como antes. Parecia mais com ex-mulher quando não consegue aquele dinheiro. O puxão no olho agora era real e eu sentia vontade de arrancá-lo pra dar uma olhada com o outro olho e ver se estava tudo certo.
Aí tive mais uma idéia genial: vou dormir um pouco pra ver se passa. Deitei com as luzes apagadas. Rolei pra lá e pra cá que nem um "desabafante" Roberto Carlos na cama e, claro, a dor só aumentou junto com a náusea.

Um sinal de enxaqueca grave é o enjôo, porém, um sintoma do mal-estar estomacal é a dor de cabeça, então, como definir qual era o meu mal? Qual era a causa e qual a conseqüência? Quem nasceu primeiro, a galinha que "botou" o ovo ou o ovo que gerou a galinha? (ninguém fala no galo)
Na verdade pouco me importa. Só sei que é brabo e que neste momento estou melhor. Melhor a ponto de estar aqui escrevendo e prestes a submetê-los a este texto.

Depois do santo sal de frutas, da sagrada Neosa e do bem-aventurado chá de boldo, tudo começa a voltar ao normal, mas no momento da crise a gente pensa muita coisa, revê hábitos duvidosos, faz promessas e toma resoluções.
É como um réveillon, só que vai direto para a ressaca.
Ano novo, vida nova! Não vou mais comer tanta bobagem, não vou mais beber, vou comer mais fibras, menos refrigerantes, menos cerveja, menos doces e frituras.

Só que o mal-estar passa, a dor de cabeça some e só de pensar nessas coisas já ta me dando uma fome...


Aquele abraço!

domingo, 6 de maio de 2012

Mulheres...


Estou na fila do pão no supermercado quando a moça da minha frente começa a gesticular e falar na direção de um dos corredores:
Curioso como sou olho para lá e vem vindo o seu marido, namorado, companheiro ou todas as alternativas acima, então inicia-se o seguinte diálogo:
- Vem amor, vou comprar pãozinho – referindo-se aos cacetinhos. “Quantos eu compro? Dois?”.
- Não, compra uns dez!
- Dez não! Então quatro!
- Mas eu to loco de fome amor... Então compra seis...
A balconista interfere:
- Boa noite. Às ordens...
A moça então faz o pedido:
- Me da cinco destes... Pãezinhos.

Não pude conter o riso, disfarçado é claro, pois foi muito divertido. Não chegou a ser uma batalha, nem mesmo uma discussão entre o casal, mas neste suave e singelo embate, marcado por várias expressões amorosas e demonstrações de carinho, pode-se notar algumas nuances daquele relacionamento.
A falsa candura da moça fingindo insegurança na compra e pedindo opinião, quando na verdade já havia decidido comprar quantos pães achasse necessário.
O rapaz, cedendo gentilmente aos argumentos dela, em prol da paz no lar, não sabe que, na verdade cede aos poucos fatias generosas de um território que deveria ser neutro e do qual ela aos poucos vai tomando posse.
Mas é assim mesmo que funciona.
Somos escravizados desde sempre e seremos até a eternidade, pois somos bons e pensamos na família democraticamente, enquanto a mulher até aceita a divergência de opiniões, desde que prevaleça a dela.

Outra coisa que me chamou à atenção foi o jeito como esta moça se referiu aos pães. Todo mundo por aqui chama pãozinho francês de cacetinho. Não tem outro nome. Na maioria dos lugares, se pedir pãozinho francês vai acabar saindo de mãos vazias, mas ela não chamou de pão francês, nem de cacetinho. Não chamou de nada. E o grande problema foi a pausa.
Aquela pausa foi fatal.
Por onde teria andado aquela mente criativa nos breves momentos daquela pausa?
Sabe lá Deus... Ou não... Se for homem, provavelmente nem ele saiba...

Desculpem as brincadeiras minhas amigas e principalmente as mamães. Neste mês de maio, recebam todas as homenagens que lhes cabem com muito orgulho e sem modéstia, pois geralmente são merecidas e em alguns casos até insuficientes.

Feliz dia das mães e aquele abraço!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Profissão: Professor.


Cada vez que eu leio ou ouço alguma manifestação sobre salários de professores, descaso com a profissão e a educação em geral, alguma coisa parece que não encaixa.
Por mais que tenha razão salientando a importância do professor na formação de seres humanos completos, além de alfabetizados e formalmente educados, por mais que os argumentos estejam embasados em pesquisas e que seja de senso comum a idéia de que a profissão devesse ser melhor remunerada, parece que ainda falta alguma coisa neste discurso.
As peças não se encaixam como deveriam.
Eu não sou muito novinho, e lembro que as professoras do meu tempo nunca ganharam muito bem. Todas trabalhavam o dia todo na escola e viviam chorando as mágoas. Tinha professora boa e professora ruim, assim como serventes boas e ruins, e alunos bons e ruins.
Tinha o aluno comportado e o endiabrado, um mais marginal, outro que sofria bulling, apesar de isso não existir naquela época, enfim, tinha tudo o que tem hoje, porém em uma escala menor, tanto em volume quanto em intensidade, mas a coisa fluía de uma forma ou de outra.
Bem ou mal, as professoras controlavam o ímpeto dos alunos com a autoridade que lhes era natural pelo respeito que tínhamos por elas, respeito este que nos era ensinado em casa. Respeito pelos pais, pelos professores, escola, família, instituições em geral.
Professor sempre ganhou muito mal, assim como a maioria dos trabalhadores. Pedreiro, motorista, policial, gari, bancário, quase todo mundo ganha mal. Bancário então nem se fala, como ganham mal os coitados, mas não é esse o ponto.
Me parece que a desvalorização dos professores apenas se reflete no salário. Começa muito longe da escola, nas casas e nas famílias que criam crianças egoístas e mimadas que levam para a escola, assim como antigamente, os hábitos, as manias e o comportamento tolerado em casa, só que antes era o respeito, agora é o descaso.
Hoje em dia respeito é um conceito muito vago e cada vez mais raro.
Não é qualquer um que merece respeito. Professores serão respeitados ou não de acordo com uma série de variantes que deveriam ser irrelevantes, mas o comportamento das crianças baseia-se no conceito que recebem direta ou indiretamente dos pais e da sociedade em geral.
Repito, acho que professores deveriam ganhar muito mais do que ganham, em qualquer nível, mas creio que esta valorização passa por uma mudança no nosso comportamento.
Devemos tratar a educação e os agentes dela com o respeito que merecem. Não só no discurso eleitoreiro ou na fila do banco comentando a greve do magistério. Em casa, quando falar com seu filho, quando ouvir as queixas dele com relação ao professor, nas reuniões no colégio ou no perfil do Face, lembrar que o professor é uma pessoa e que merece ser respeitado e admirado, pois escolheu esta profissão não só para ensinar esta ou aquela matéria, mas para ajudar na sua formação como cidadão.


Aquele abraço!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Balança mas não cai



Cada condomínio tem suas peculiaridades. Todos são diferentes uns dos outros, mas no fundo, de um modo geral, é quase tudo a mesma coisa.
Pode ser de qualquer classe, sempre tem as mesmas coisas, gente de todo tipo. Cachorro, gato, passarinho, vizinho chato, vizinho legal, vizinho que cumprimenta, vizinho que não, uns que brigam, outros que sorriem, uns que zelam, outros que quebram.
Não importa a classe, volta e meia pinta uma gritaria, uma briguinha, ciumeira, inveja, fofoca, afinal, a chinelagem não faz diferença, não discrimina nem segrega. Comporta e aceita todas as classes, cores e credos.
A maior constante é a indiferença, mas amizades e inimizades podem nascer. Nos detalhes, nas bobagens do dia a dia. Qualquer coisinha pode ser o diferencial para a aproximação ou o distanciamento natural,
A camiseta do teu time estendida no varal do outro já lhe confere um ponto a mais na avaliação. Se gosta de cachorro e não deixa ele latir nem aliviar-se na grama do condomínio, se ajuda a carregar as compras ou cede a vaga no estacionamento, se espera com o elevador ou segura a porta para o outro passar.
Na outra mão vêm os que buzinam no estacionamento, os que conversam próximo à tua janela domingo de manhã, os que deixam a latinha de cerveja no corredor, aquela vizinha que sacode o tapete na janela do andar alto, enfim, os que não têm consideração pelos “desconhecidos”.
Coisas insignificantes que vão se somando e formando o conceito de um em relação ao outro.
No meio destas diferenças todas existem hábitos que unem todos ou a maioria. Alguns programas de TV ecoam pelos corredores e mais ainda no fosso de luz.
Sobre isso tem uma curiosidade. Não sei se todos sabem, mas existe uma diferença no tempo da transmissão entre as operadoras de TV por assinatura e a TV aberta. O tal delay. Isso me proporciona, por exemplo, quando estou na cozinha, ouvir o insuportável Bial repetir três vezes a mesma bobagem. Por outro lado, quando perco a fala de algum personagem da novela, basta correr ali e esperar ser falada de novo na TV de algum vizinho.
Como ia dizendo, não existe nada perfeito, muito menos um condomínio. Seja pequeno ou grande, rico ou pobre, sempre teremos que lidar de alguma forma com suas mazelas, e sempre poderemos aproveitar suas benesses. Nos resta viver da melhor forma possível, convivendo com estas pessoas e seus problemas, assim como elas conosco.
De uma forma geral, procuro estar bem com todos, mesmo com os colorados. Conheço todos os cachorros do condomínio, geralmente antes de conhecer seus donos, ou donas. Os gatos são mais arredios, assim como alguns vizinhos, mas aí a gente deixa pra lá.
Como me disse um vendedor esses dias: “Não vamos gastar vela com defunto ruim”.
Particularmente, prefiro pensar de outra forma: Tudo a seu tempo. Amanhã tudo pode mudar.
Aqui é a minha casa, uma extensão dela.
Eu curto, eu cuido...


Aquele abraço!


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Motoqueiro ou motociclista?



Pilotos de motocicleta, em geral abominam a denominação “motoqueiro”. Exigem que quando citados use-se “motociclista”.

Motoqueiro lembra aquele cara arrojado, moleque, inconsequente, que faz manobras arriscadas, anda em alta velocidade e se expõe a toda sorte de acidente ou tragédia. Já, motociclista lembra uma pessoa mais consciente, centrada, careca, talvez um contabilista, com calça de tergal, óculos, bigode, que pilota a moto com cuidado extremo.

Há também quem divida estes grupos entre os que trabalham com a moto e os que se utilizam dela para lazer. Mas e se o cara faz as duas coisas? Se trabalha com a moto e também se diverte com ela?
Nas suas folgas deixa de ser motoqueiro e passa a ser motociclista? Entra em uma cabine telefônica, troca de roupa e vira outra pessoa, com hábitos e comportamento diferentes?
E se o cara tem uma motoca para trabalhar e uma Motocicleta para lazer? Vai pilotar cada uma de um jeito?

O termo “motoca” surgiu lá pelos anos 70 do século passado para designar as motocicletas de menor cilindrada que se popularizaram e tomaram conta das ruas. Oras, se anda de motoca: motoqueiro!
Antes, só existiam motocicletas, e antes ainda o que se chamava de motociclo, consequentemente só existiam motociclistas.

Enquanto as pessoas se perdem nesta discussão de semântica, sinonímia, conotação ou denotação, eu vou andando de moto, cada vez mais livre, cada vez mais feliz.

Existe uma grande diferença entre pegar a estrada montado na moto ou sentado no carro. Não temos ar-condicionado nem som, em compensação, não temos engarrafamentos, e a minha gata bem agarradinha em mim não é atentado ao pudor ou atitude perigosa. Sofremos com chuva, frio, lixo, desrespeito, desconforto, em compensação... Bem, deixa pra lá. Não tem explicação.

Dizem que motociclista consciente é ex-motociclista. Não anda mais de moto, mas eu não concordo. A gente anda, porque é bom, é rápido, fácil, econômico, prazeroso... Só é um pouco perigoso, mas ninguém morre na véspera. Dá pra andar de moto sem se arriscar, com cuidado e alguma paranóia.

Como disse antes, não sei onde me enquadro, onde me enquadrarei ou onde me enquadrarão. Motociclista, motoqueiro, tanto faz, até porque, além de não me importar muito com opiniões, não gosto de rótulos, principalmente em mim, e não me vejo em nenhum destes dois estereótipos.

Então passei a me sentir total, com meu sonho de metal...



Aquele abraço!


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Forno Alegre



Não tem como não falar deste calor.

Ta realmente um inferno. Até o Diabo passaria protetor solar pra dar um passeio pelos pagos do Rio Grande, mas nem isso me faz sentir saudades do inverno como ouço as pessoas falando.

Ah, no inverno as pessoas andam mais arrumadas, elegantes... As pessoas que se vestem bem e ficam mais bonitas no inverno são as mesmas que, no verão estão 98% do tempo em ambientes refrigerados, em casa, no carro, no trabalho (quando trabalham), ou estão viajando.

No inverno não tem praia, não tem cervejinha na calçada nem da pra dormir pelado. Tomar banho é um ato de coragem e andar de moto uma prova de insanidade.

No verão aqui é assim, a gente é preparado ao bafo ou gratinado. Fica pronto pra servir. Pode ser ao molho também, se pegar um temporal no caminho, mas poder chegar em casa, tomar um banho e ficar só de bermuda vale qualquer sacrifício

Quem precisa ir pra rua durante o dia, principalmente à tarde, fica procurando bancos e lojas com ar refrigerado.
Entra na loja, da uma olhadinha, pergunta uns preços, agradece e vai embora refrescado.
Entra no banco, pergunta alguma coisa complicada ao atendente para que ele necessite perguntar a mais alguém e demore bastante. Se tem pressa, tira um extrato ou saca 10 pila em um caixa automático e deposita no outro. Já dá tempo para refrescar um bocadinho, e vai seguindo com a vida, esperando a hora do descanso.

O que eu vejo nesta situação toda, é gente que reclama de tudo. Se ta calor, se ta frio, se chove, se não chove. Para com isso! Relaxa e aproveita o que tem. Coloca uma roupa mais leve, aproveita que ainda temos água potável e te refresca, por dentro e por fora. Te hidrata e “vambora”. O verão ta acabando. Depois começa aquela churumela toda de frio e chuva que vai até Outubro...

É como eu disse antes, chega em casa, toma um banho e senta na calçada, na frente da janela ou embaixo do ventilador tomando um mate pra refrescar.


Aquele abraço!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Manos


- Shhh...!
- Que foi?
- Fica quieto!
- Eles estão dormindo.
- Não estão, não.
- Estão namorando?
- Claro.
- Como é que tu sabe. Não tem barulho nenhum.
- Por isso mesmo. E se a gente atrapalhar tu já sabe, né? Amanhã é a mãe de mau humor, o pai nem toma café e a gente sem TV e internet.
- E sem jogar bola.
- Isso mesmo, então, fica quieto. Daqui a pouco eles dormem.
...
- Quero fazer xixi...
- Segura.
- Mas eu to com vontade.
- Aperta que falta pouco.
- Como é que tu sabe?
- Shhh...
- Será que ta doendo?
- Se doesse eles não ficariam cheios de sorrisinhos e beijinhos depois, e cala essa boca!
- To mimijando!
- Aperta esse tico aí que quando der eu te aviso.
- Pra que que serve isso?
- O namoro?
- É.
- Sei lá, parece que é assim aquela história da sementinha.
- A mãe vai ficar barriguda?
- Não... Eles fazem toda hora. Se cada vez desse um filho a gente teria que morar num quartel.
- Mas de vez em quando dá. Olha nós...
- Shhh...
- Tu queria que eu nascesse?
- Hã?
- Quando era só tu, tu fazia barulho pra atrapalhar?
- Claro que não.
- Fazia sim!
- Shhh...
- E se ela ficar? Tu quer outro irmão? Eu não quero! Não cabe mais um nesse quarto. Ainda mais um nenê pra ficar enchendo o saco de noite, chorando e se cagando toda hora.
- Que guri chato. A gente só fica sabendo depois. Quando ela começar a fazer roupinhas de crochê, receber visitas das tias... Onde é que tu vai?
- Vou no banheiro e fazer bastante barulho...



Aquele abraço!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Houve uma vez um verão


               Bem legal a série de crônicas que a Zero Hora está publicando com as histórias de verões da infância de personalidades gaúchas. Pelo menos a primeira que foi a única que li. Achei boa a idéia, e as lembranças do Marcelo Canella me levaram direto aos meus verões de muitos anos atrás.
Não tínhamos casa na praia, não tínhamos carro, muito menos dinheiro para veraneios nas férias. A opção era excursão para Cidreira.
A saída de madrugada e a volta “de tardezinha”; o desconforto do ônibus comum, amenizado pela excitação do passeio.
De madrugada um cara imitou a “sirene” da polícia, e eu lembro que tive muito medo. Seríamos todos presos e torturados? Coisa de guri da cidade...
O ônibus parava no meio da viagem para o xixi. Aí era aquele monte de homens urinando no chão, nas plantas e no próprio ônibus.
A chegada à praia junto com outros ônibus. Pareciam milhares numa fila interminável. Todos alinhados junto aos cômoros de areia
Lembro de um leitão que saiu não sei de onde e que o meu pai perseguia pelas dunas. Foi tão hilário e marcante que a imagem permanece viva na memória. Muitas outras já se perderam.

 Da esquerda para a direita, meu irmão Jorge, minha mãe, meu pai, Seu Potiguara, 
meu irmão Luiz, minha tia Lira e o amigo da família Lelé (Luis Ilér). 
Eu como sempre, o centro das atenções.
Lembro também de uma vez em que ficamos na casa da tia Zilda e do tio Silas no Imbé, junto com os primos Urubatã, Pedro Paulo e Vera Lúcia. Ah... Agora sim estávamos veraneando. O luxo do gaúcho! Ainda mais em uma casa, com camas e família. Dava para se sentir um superstar.
A casa era próxima à lagoa, onde fizemos algumas expedições. Para meu espírito de explorador que se formava, aquilo era um mundo novo. Um universo inteirinho de novidades. Formas, cheiros e texturas inusitados. O medo e a excitação da descoberta elevando a adrenalina. Entre monstros aquáticos e os perigos da água traiçoeira nos aventurávamos naquele terreno lamacento e desconhecido.
Formas de vida estranhas iam aos poucos se revelando aos meus olhos curiosos. Todos monstruosos. Lagartos venenosos, camarões carnívoros, caranguejos gigantes assassinos que se escondiam no chão à espreita de humanos descuidados. Ficava só aquele furinho na lama. Graças à minha astúcia e à minha agilidade consegui escapar de todos eles.
. Um dia, fomos à praia em Tramandaí. Uma lonjura! Nunca caminhei tanto na minha vida, aí, quando chegamos lá era tudo igual. A mesma água, a mesma areia. Não entendi a razão daquele sacrifício.
Lembranças muito antigas, muito fragmentadas, mas que me levaram a um passeio delicioso ao passado, à infância cada vez mais longínqua.
Hoje em dia tudo mudou, mas quando chego à praia ainda me vejo aquele guri desmilinguido correndo em direção à água gelada.

Com minha mãe, Dna. Nilza à esquerda e minha tia Lirinha (Dna. Lira) à direita, 
e eu no centro sem dar muito trabalho ao cavalinho.

Aquele abraço!