quinta-feira, 2 de julho de 2009

Fábula


Era uma vez, num reino tão, tão distante...


Um rei insatisfeito com o percentual de aprovação do seu reinado que, conforme os institutos de pesquisa da época, oscilava muito devido à qualidade dos serviços que o estado prestava.

Este rei queria aumentar o número de súditos satisfeitos, mas não conseguia competir com outros reinos que ofereciam um serviço muito mais ágil e prestativo. Aos seus olhos o povo não estaria bem servido, e isso atrapalhava seus planos de trazer novos súditos de outros reinos. Também poderia fazer com que uma parcela do seu povo migrasse para estes outros reinos onde seria atendido senão na plenitude dos seus anseios, pelo menos em parte e com alguma perspectiva de melhora, melhora essa que parecia quase impossível ali, uma vez que os processos eram sempre lentos, travados nos meandros da intrincada e burocrática máquina estatal medieval.


Na verdade o rei delegava as tarefas administrativas a vários servidores, alguns fiéis, outros nem tanto. Estes delegavam as tarefas a subalternos e assim sucessivamente. Os serviços diretos à população eram prestados por servidores de mais baixo escalão, os vassalos por assim dizer. Era quase escravidão, mas eles os tratavam como reis.


Acontece que alguns desses servidores cumpriam suas obrigações de forma muito limitada, pois tinham estabilidade em seus cargos. Às vezes aproveitavam-se da burocracia e das normas para desincumbirem-se das obrigações sem mesmo cumpri-las, passando para outro, adiando, deixando cair em esquecimento.

Não havia interesse na excelência do serviço prestado, pois o estatuto do reino previa a sua estabilidade e a preservação do seu trabalho, não importando a satisfação do povo. Mesmo sendo o povo, mantenedor direto dos seus empregos, uma vez que era a razão primeira da sua existência, e também porque o dinheiro que pagava seus salários provinha deste mesmo povo, pela arrecadação de impostos, muitas vezes injusta e cobrada sabe-se lá de que forma.

Ao mesmo tempo estes trabalhadores alegavam ser muito pouco o quanto recebiam por tanto trabalho.

Eram obrigados a trabalhar muito mais do que o acordado, tinham que usar gravata e as colegas não podiam nem usar mini-saia.


Eram as normas, e normas sempre foram normas...


A mesma lei que garantia o emprego o transformava em algo maçante e massacrante e isto se refletia no atendimento ao público.


O rei não tinha sequer autonomia para simplesmente contratar mais servidores devido ao mesmo estatuto.


Como resolver então esse impasse?


Os outros reinos não tinham essa limitação estatutária. O que mantinha um vassalo no seu posto de trabalho eram o seu desempenho e a satisfação dos seus clientes, digo, do povo.


Então o rei pensou que poderia usar outras pessoas para fazer o trabalho dos seus “funcionários”, pagando somente pelo que produzissem, sem dar, porém, a estes o mesmo status dos outros nem as vantagens e garantias do estatuto. Estas pessoas trabalhariam sem um vínculo direto com o rei, mas por conta própria. Conta e risco, diga-se de passagem.


Que idéia!


Pessoas trabalhando motivadas, senão pelo prazer de prestar o serviço, pelo temor de perderem seus trabalhos.


O rei poderia atingir a competitividade tão almejada e com isso a satisfação do povo, criando atrativos para que mais pessoas viessem ao seu reino usufruir destes serviços.

Acabaria de vez com as queixas dos trabalhadores antigos que teriam sua carga dividida e deixariam de reclamar do excesso de trabalho. Os novos trabalhariam satisfeitos e agradecidos pela oportunidade e, no caso de alguma insubordinação ou erro o rei poderia simplesmente mandar decapitá-los e substituí-los por outros mais competentes, interessados ou com mais amor aos próprios pescoços, e o povo estaria finalmente bem atendido em seus anseios e necessidades...


Foram tempos de plena satisfação e tranquilidade. Paz e alegria no reino.


Por um tempo...


Não foi o rei quem contratou diretamente estas pessoas. Delegou esta tarefa a alguns servidores de sua confiança. Estes fizeram o mesmo...

Como alguns servidores não eram tão fiéis assim ao rei, contrataram amigos visando proveito próprio em detrimento dos interesses do reino, pagando bem mais do que o merecido, fazendo o rei acreditar na real necessidade daquele serviço e na presciência e imprescindibilidade daquele contratado.


Funcionou por um tempo sem que alguém se desse por conta ou se importasse muito, pois o povo estava feliz, o rei estava feliz, os vassalos estavam felizes, os novos contratados estavam felizes e estes outros superfaturados estavam mais felizes ainda.


Até que houve uma denúncia.


Nem foi bem uma denúncia. Um dos servidores, insatisfeito, não se sabe o motivo, mas se imagina, resolveu falar sobre detalhes de alguns destes contratos e questionou publicamente o rei, a rainha e toda a corte.

Os arautos, cantadores e menestréis se encarregaram de anunciar e espalhar este escândalo que tomou proporções e direções imprevistas, atingindo até aqueles que se viam em posições privilegiadas na administração do reino.


Um diálogo como este foi ouvido e depois relatado por uma rã falante:


- As irregularidades estão em contratos de prestação de serviços, certo?

- Sim, mas a maioria dos contratos é legal. Não têm irregularidades.

- Não importa. Vamos cortar algumas cabeças...

- Ta, mas e as fraudes? Quem contratou? As pessoas vão querer saber e ver os culpados punidos, presos, degolados...

- Vamos fazendo assim por enquanto. Acabamos com esta bagunça. Tudo se acalma e vamos comer uma pizza. No final das contas, o povo não importa tanto assim quando não tem eleição...

Seguiram falando, dobrando um corredor à esquerda, saindo do alcance da audição da rã.


- Mas, peraí; não tem eleição para rei. Agora entendi menos ainda... disse a rã para si mesma pulando da janela do castelo para uma folha próxima e dali para um galho, do galho para uma pedra perto de onde estava recostado um daqueles menestréis saboreando uma suculenta fatia de pizza...



Fim (?)



Um comentário:

lucia disse...

sua FÁBULA me levou ao Depoimento de Alice, no PAÍS DAS MARAVILHAS:
- Cale-se! ordenou a Rainha
- NÃO ME CALO! respondeu Alice
- Cortem-lhe a cabeça! gritou
furiosa a Rainha
...........................
- Quem se importa com voces?disse
Alice (ela já voltara ao seu
tamanho normal)e completou,
Voces não passam de um baralho
de cartas!
parabéns, continue e faça como Alice:
NÃO SE CALE!

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