sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Andante


Andava sorumbático pelas ruas do seu bairro. Quase um moribundo; um zumbi. Mal reparava nos vizinhos e transeuntes pelos quais passava e que vez por outra o cumprimentavam.
Apenas caminhava. Sequer percebia alguma coisa. Sua mente transformada em um deserto mantinha apenas as funções vitais e um único pensamento que de tanto repetir-se desaparecia em um zumbido,
Caminhava e pensava em não pensar. Não aqueles pensamentos doloridos e desesperadores.
Instintivamente evitava choques e buracos; instintivamente respirava, piscava e caminhava.
A lembrança da dor o mantinha em movimento. Não queria parar, pois temia que eles o alcançassem, os pensamentos que tanto o atormentaram anteriormente. Antes de começar a andar.
Não saberia dizer a quanto tempo caminhava.
Minutos? Dias? Horas? Não saberia dizer. Nem ele nem ninguém, pois não havia quem se importasse com ele ou com quem ele se importasse. Mas ele não pensava nisso. Não pensava em nada. Apenas caminhava. Um passo após outro, consumindo as distâncias como antes os pensamentos consumiam sua mente e sua alma.
Agora não sentia mais dor, não sentia mais nada. Sede, fome, cansaço, nada. Nada comparável à sensação de desespero ou à dor, a maldita dor que corrói as entranhas. Que não tem início nem fim. Simplesmente existe.
Existia.
Agora nada mais. Nenhuma sensação. Apenas a brisa, o ruído distante das ruas com seus carros, cachorros e pessoas que sussurravam coisas incompreensíveis.
Pessoas que o chamavam por um nome desconhecido; que por vezes o tocavam e insistiam para que os reconhecesse, mas ele não reconhecia ninguém. Ninguém que importasse. Ninguém que fosse...
Não!
Afastou o pensamento rapidamente. Um descuido e eles já queriam voltar; os malditos pensamentos.
Caminhar e caminhar, sem pensar em nada, sem prestar atenção em qualquer coisa que o fizesse relaxar. Eles poderiam voltar com toda a sua carga de dor e sofrimento.
Sensação maravilhosa aquela de vazio. Sentia a leveza da idiotice, a serenidade da ignorância.
Sequer sabia por que andava, por que sofrera, mas sabia que não podia parar. Apenas caminhar e continuar. Querendo ser o que parecia, um moribundo.
Sem pressa, sem destino, rumo ao desconhecido calmo, deserto e silencioso. Onde a mente ficasse finalmente vazia, onde seu coração pudesse enfim descansar e voltar a bater apenas, sem golpes ou sobressaltos.
Passou por mim assim, sem consciência e sem emoções, e assim seguiu, caminhando, fugindo dos pensamentos. Fugindo da dor...



Aquele abraço!



terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cuca

Sou desses que se mete em tudo. Não nos problemas dos outros, pelo menos não muito, mas em atividades, manutenções, invenções, funções em geral.
Não consigo ficar muito tempo parado, sem fazer nada.
Cabe aqui um parêntese esclarecendo que assistir a um filme, por exemplo, “é” fazer alguma coisa. Deitar na rede e ficar olhando as nuvens passando também é uma atividade interessante além de pouco desgastante.
Existem várias atividades às quais a gente pode se entregar por horas a fio, mas não é deste tipo de coisa que eu estava falando, falo de viver inventando coisas pra fazer, procurando sarna para me coçar, como dizia meu pai.
Acho que muita gente é assim, muitos de vocês (no plural, imaginando que mais de uma pessoa vai ler este texto), mas como eu sou a pessoa a quem conheço melhor, vou falar só de mim.
Agora, por exemplo, comecei a fazer cucas, bolos e afins.
Tudo começou com uma máquina de pão que ganhei do meu irmão. Descobri algumas receitas na internet e fui fazer meus pães.
Um pão d’água, um pão de leite, um pão doce, um pão de frutas... Todos ficaram muito bons, mas cuca não teve jeito. Não saiu nenhuma boa.
Sou um tanto exigente na hora de provar um doce e achar “bom”. Sem querer ferir suscetibilidades, posso dizer que sou filho do melhor confeiteiro que já houve, e isto me deixou assim, chato.
Ele foi como o Pelé. Insuperável na sua época, quiçá até hoje em dia, mas não vou afirmar isso para não entrarmos na mesma polêmica de Pelé x Maradona ou Vai x Satriani x Malmsteen.
É assim, eu provo, como, gosto, mas sempre tem a comparação. Mil folhas e sonho, principalmente. Acho que nunca mais comerei algo parecido. A menos que faça eu mesmo. Foi pensando assim que resolvi partir pra briga, em busca da cuca perfeita.
O meu filho gosta das cucas com recheios mirabolantes, com requeijão, ricota, mumu, entre outras coisas. É bom, mas prefiro a minha tradicional, sequinha e com passas.
Peguei várias receitas, errei algumas, mas acho que agora cheguei bem perto. Não ouso dizer que ficou perfeita, mas que ta bom, ta! Leve, sequinha, e com passas. Sem aquele exagero de farofa em cima.
A massa dava para mais cucas, então fiz uma de frutas cristalizadas e uma com Mumu para agradar aos vários gostos.
 Sempre achei que o que faz diferença no teu trabalho é a maneira com o fazes. Não é a ambição, nem a pressão que te fazem trabalhar melhor, sim o gosto pelo que estás fazendo e a preocupação com o resultado daquilo, com o gosto que terá ao paladar, com a satisfação que dará a quem dele usufruir. Seja em que área for que trabalhes, ou qual for o resultado deste trabalho, que ele seja útil e que atenda da melhor forma possível ao público que dele se servir, mesmo que este público seja apenas uma pessoa, tu mesmo, por exemplo.
No dia da proclamação da república eu declaro a minha independência. Posso dizer que sou auto-suficiente em cucas, desde que encontre uma boa receita em algum blog.
Neste momento acabei de saborear uma fatia da minha cuca de passas e vou partir para mais uma. Talvez prove a de Mumu, mas já sei que não será a mesma coisa...

Aquele abraço!