segunda-feira, 1 de março de 2010

Biologia urbana



Andando pelo centro a gente vê de tudo. Até já doei meus olhos pra continuar vendo depois de morrer.

As coisas mudam com o passar dos anos, algumas espécies vão se extinguindo enquanto outras vão surgindo. Este processo mantém a diversidade biológica e o equilíbrio ecológico.

Por vezes um tipo se sobressai e domina o território, mas como a principal característica destas espécies é a nomadia, a vida errante, migram não estabelecendo limites ou fronteiras.

Claro que há regiões propícias à proliferação de uma determinada espécie e prejudicial a de outras. Algumas que habitam as imediações do Mercado Público não conseguem se desenvolver no clima da Rua da Praia ou no relevo da Praça da Matriz, por exemplo; em contrapartida estendem-se por toda a região da Voluntários da Pátria e Júlio de Castilhos. Talvez devido ao clima ou às correntes “marítmas” do Guaíba; talvez às características do solo, não se sabe ao certo. Não existe estudo científico que comprove as determinantes destas peculiaridades.

Alguns casos raros de adaptação a outro ambiente foram catalogados, porém, segundo os cientistas, nativos de uma região raramente adaptam-se a outra preservando suas características, o que corrobora a teoria da evolução das espécies de Charles Darwing.

Além da evolução natural, algumas espécies, infelizmente, devido à interferência humana, foram extintas, outras sofreram mutações, o que abalou o equilíbrio do sistema.

Os dóceis camelôs legalizados, por exemplo, desapareceram das ruas do centro da cidade. Foram capturados e confinados em uma reserva, um espaço exíguo, muito diferente do habitat natural desta espécie, acostumada a vagar livremente pelas alamedas da cidade. Não sabemos se reproduzirão ou mesmo se sobreviverão em cativeiro.

Apenas os ambulantes ilegais, por sua índole indômita, resistiram e permanecem em liberdade. Esta espécie exótica prolifera sem controle, devido ao seu alto potencial de adaptabilidade.

Vendem de tudo pelas ruas do centro, desde um simples utensílio doméstico ao mais sofisticado aparelho eletrônico, incluindo serviços os mais variados, com aquela gritaria de CD/DVD, compro ouro, tatoo, piercing, fábrica de calcinha, tênis, lixas para pés para senhoras e cavalheiros, giz que mata baratas, bonequinho que dança sozinho, homens-estátua, se bem que estes não fazem barulho, mas tem os músicos, os índios, paraguaios, bolivianos, argentinos, equatorianos e até brasileiros.

Alguns têm hábitos noturnos, na maioria fêmeas, mas estes não vendem, só alugam. A maioria tem hábitos e atividades de subexistência diurnos e sazonais. A oferta varia conforme a estação ou época do ano. Conforme o clima também. DVD’s e Mega Sena acumulada transformam-se instantâneamente em guarda-chuvas aos primeiros sinais da intempérie, e transformam-se em óculos de sol se o tempo abre. Ovos e ninhos de páscoa mais tarde darão lugar a guirlandas e enfeites de natal. Tudo original. Não tem nada paraguaio. Todos os produtos são legítimos Made in China.

O predador natural do ambulante é o fiscal da SMIC, mas como esta é uma espécie exótica, leva um tempo até o equilíbrio se restabelecer e a roda da vida voltar a girar no ritmo normal.

Não há o que não haja, como diz Arthur de Faria. Coisas tão estranhas e ao mesmo tempo tão comuns.

Não posso esquecer de comprar a raquete-mata-moscas...



Aquele abraço!



Um comentário:

lucia disse...

não há o q não haja, né?
ótimo artigo, parabéns!
abraço, ana

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