sábado, 20 de março de 2010


Movimento PCCHA (Politicamente Corretos, Cínicos, Hipócritas e Afins)



Voces já notaram como de repente, da noite para o dia, ninguém mais tem preconceito? Ser preconceituoso é feio, é out, então todo mundo aceita tudo; qualquer tendência política, religiosa ou sexual; pelo menos no discurso.

Pode pensar o que quiser, desde que não fale. A maioria das pessoas se preocupa muito mais com a forma do que com o conteúdo; valorizam mais o discurso do que a atitude.

Ser preconceituoso não é chamar alguém disso ou daquilo, ou pensar isso ou aquilo das pessoas, isso é discriminação e pode ser bem fundamentada. Fingir aceitação, mesmo discriminando, isso é hipocrisia. Qualquer destas atitudes é horrorosa, mas não devemos confundir. O preconceito é muito pior.

Hipocrisia é uma via de mão dupla. Ser um preconceituoso dissimulado não é pior do que aceitar esta atitude fazendo de conta que acredita.

Um amigo da família, certa vez disse algo que “volta e meia” me vem à lembrança. Falávamos mais ou menos sobre isso, pela sua opção sexual e ele me disse assim: “O pior de tudo é o ‘mas’. É excludente: Um bom amigo, mas... Um guri bom, mas...” Ou seja, pior do que ser distratado por estranhos é ser tratado com ressalvas por amigos e familiares.

Todo mundo é segregado em algum momento da vida, uns mais, outros menos. Uns se afetam, outros não estão nem aí, mas o caso não é esse. Não importa a reação das pessoas ou o quanto elas podem suportar. Devemos nos preocupar com nossas atitudes, mais ainda com os pensamentos e opiniões.

Todos temos preconceitos. Deve ser inerente à condição humana ou à cultura ocidental, sei la, é uma coisa que vem com a gente ou que nos é transmitida desde o berço, pela vida afora. É importante lutar contra isso na sociedade, na vida, mas principalmente na nossa cabeça, encarando estes preconceitos, não negando ou fugindo deles.

Quem é ou se julga segregado e discriminado, deveria lutar pela condição cidadã e se preocupar menos com frescuras e rótulos.

Movimento GLBT, Movimento Negro, movimento isso, movimento aquilo, todos são importantes, mas lembrem sempre dos seus objetivos e do que os motivou na origem. Alguns distorcem isso, visando benefício pessoal; identificadas apenas pela condição e não pelas idéias, esquecendo os motivos e as convicções das pessoas que lutaram e lutam por eles.

A sociedade avançou muito no trato com as minorias, e é muito bom que hoje em dia as pessoas com as mesmas necessidades ou carências, unam-se e lutem por seus direitos. Pena ainda necessitarmos disso.



Aquele abraço!!!



domingo, 14 de março de 2010

Papo íntimo



Às vezes eu falo comigo mesmo. Não daquele jeito de andar pela rua falando sozinho, até porque, nesses casos acho que raramente se está sozinho. Converso de um outro jeito.

Sabe aquelas conversas íntimas, profundas, quando nos questionamos sobre atitudes e decisões tomadas ou evitadas? Aqueles momentos em que avaliamos a situação, comparando com outras passadas? Pois é, parece maluquice, mas estes momentos são importantes; é quando transformamos experiência em sabedoria. Pelo menos deveria ser assim, mas nem sempre conseguimos completar o processo empírico de aprendizado.

Seja teimosia, soberba, burrice, carma, o que for, algum processo interno nos impede de assimilar os conhecimentos.

Vemos pessoas em apuros e nos perguntamos como conseguem entrar nessas roubadas sem se dar conta, mas quando é a nossa vez nem notamos.

Eu me aviso, tento me fazer ver o terreno onde estou pisando, lembro que ja passei por situações similares, mas como sempre, não me dou atenção. Digo “Olha que isso não é bem assim”, “essa pessoa tem aquele comportamento”, “presta atenção nos sinais”, mas voces pensam que me dou ouvidos? Bem capaz...

Aí, é claro, a vida me mostra, mais uma vez que eu estava certo e que poderia ter evitado sofrimentos, amarguras, rompimentos...

Não vou me perguntar mais nada, e se perguntar, não vou responder.

E as oportunidades perdidas? Passa um cavalo encilhado, trotando; a gente olha e fica imaginando quem o teria deixado escapar. Ele é bem parecido com um outro que passou uma vez, mas este também não deve ser para nós. Deixamos escapar por medo, insegurança, timidez; os mesmos motivos que nos fizeram perder outras oportunidades no passado.

Claro, nem sempre é assim. A gente acerta, mas não se da conta disso e fica se perguntando se aquela foi a atitude certa, se é realmente o melhor caminho, a melhor opção. Fica ponderando, ponderando, procurando possíveis falhas na avaliação, até que encontra um motivo para deixar passar mais uma oportunidade.

Agora, me digam, o que é pior, entrar numa barca furada ou perder um cruzeiro num navio de luxo? Para mim tanto faz. Não ando de barco. Esse negócio de andar sobre as águas não é comigo. Em sentido figurado já peguei várias barcas furadas, mas “na real”, só entro nã água até onde posso ver os pés. No chão. Também já deixei passar alguns cavalos encilhados. É o mesmo processo. Freud deve ter uma explicação para isso.

Dizem, inclusive eu, que quando o negócio não é pra a gente não adianta, mas como saber? Uma postura que tenho adotado já há algum tempo é não me prender aos erros ou acertos, mas ter a consciência de ter feito o melhor possível, de ter tomado a decisão da forma mais serena e consciente. Isso nos dá tranquilidade. O tal “sono dos justos”.

No mais, relaxa e aproveita; o trote ou o banho.

Aquele abraço!



segunda-feira, 1 de março de 2010

Biologia urbana



Andando pelo centro a gente vê de tudo. Até já doei meus olhos pra continuar vendo depois de morrer.

As coisas mudam com o passar dos anos, algumas espécies vão se extinguindo enquanto outras vão surgindo. Este processo mantém a diversidade biológica e o equilíbrio ecológico.

Por vezes um tipo se sobressai e domina o território, mas como a principal característica destas espécies é a nomadia, a vida errante, migram não estabelecendo limites ou fronteiras.

Claro que há regiões propícias à proliferação de uma determinada espécie e prejudicial a de outras. Algumas que habitam as imediações do Mercado Público não conseguem se desenvolver no clima da Rua da Praia ou no relevo da Praça da Matriz, por exemplo; em contrapartida estendem-se por toda a região da Voluntários da Pátria e Júlio de Castilhos. Talvez devido ao clima ou às correntes “marítmas” do Guaíba; talvez às características do solo, não se sabe ao certo. Não existe estudo científico que comprove as determinantes destas peculiaridades.

Alguns casos raros de adaptação a outro ambiente foram catalogados, porém, segundo os cientistas, nativos de uma região raramente adaptam-se a outra preservando suas características, o que corrobora a teoria da evolução das espécies de Charles Darwing.

Além da evolução natural, algumas espécies, infelizmente, devido à interferência humana, foram extintas, outras sofreram mutações, o que abalou o equilíbrio do sistema.

Os dóceis camelôs legalizados, por exemplo, desapareceram das ruas do centro da cidade. Foram capturados e confinados em uma reserva, um espaço exíguo, muito diferente do habitat natural desta espécie, acostumada a vagar livremente pelas alamedas da cidade. Não sabemos se reproduzirão ou mesmo se sobreviverão em cativeiro.

Apenas os ambulantes ilegais, por sua índole indômita, resistiram e permanecem em liberdade. Esta espécie exótica prolifera sem controle, devido ao seu alto potencial de adaptabilidade.

Vendem de tudo pelas ruas do centro, desde um simples utensílio doméstico ao mais sofisticado aparelho eletrônico, incluindo serviços os mais variados, com aquela gritaria de CD/DVD, compro ouro, tatoo, piercing, fábrica de calcinha, tênis, lixas para pés para senhoras e cavalheiros, giz que mata baratas, bonequinho que dança sozinho, homens-estátua, se bem que estes não fazem barulho, mas tem os músicos, os índios, paraguaios, bolivianos, argentinos, equatorianos e até brasileiros.

Alguns têm hábitos noturnos, na maioria fêmeas, mas estes não vendem, só alugam. A maioria tem hábitos e atividades de subexistência diurnos e sazonais. A oferta varia conforme a estação ou época do ano. Conforme o clima também. DVD’s e Mega Sena acumulada transformam-se instantâneamente em guarda-chuvas aos primeiros sinais da intempérie, e transformam-se em óculos de sol se o tempo abre. Ovos e ninhos de páscoa mais tarde darão lugar a guirlandas e enfeites de natal. Tudo original. Não tem nada paraguaio. Todos os produtos são legítimos Made in China.

O predador natural do ambulante é o fiscal da SMIC, mas como esta é uma espécie exótica, leva um tempo até o equilíbrio se restabelecer e a roda da vida voltar a girar no ritmo normal.

Não há o que não haja, como diz Arthur de Faria. Coisas tão estranhas e ao mesmo tempo tão comuns.

Não posso esquecer de comprar a raquete-mata-moscas...



Aquele abraço!