Quando
era criança, ir ao centro da cidade era um evento importante, uma experiência
quase transcendental, mística até. A gente tinha que tomar banho, “se arrumar”
e pentear o cabelo.
Morávamos
na Tristeza e só saíamos do bairro por algum motivo muito importante como ir ao
médico, comprar roupas ou tirar retrato.
Deixa
eu abrir um parêntese aqui. Por que será que quando nos referimos ao bairro
Tristeza, dizemos “na” Tristeza, ou “a” Tristeza, sem nos preocuparmos com
trocadilhos ou cacofonia, ou ainda com má impressão que possa causar?
Usamos
sem temor, expressões como “Nasci e me criei na Tristeza” ou “Estamos entrando
na Tristeza”, ou ainda “O estádio do colorado fica ali, quem vai pra Tristeza”.
Esta última até que combina, mas poderíamos dizer de outra forma.
Por
exemplo, tem uma cidade na subida da serra gaúcha chamada Feliz, e quando por
descuido nos referimos a ela dizendo “em” Feliz, os habitantes ou migrantes de
lá sempre nos corrigem, pois não se diz “em” Feliz, mas “NA” Feliz. Tudo para
evitar mal-entendidos, pois foneticamente pareceria que a pessoa vive infeliz
ao invés de em Feliz.
É
uma confusão e também uma bobagem. Apenas me ocorreu agora que com “a” Tristeza
não tem isso.
Bom,
deixa isso pra lá. Voltemos ao centro.
Então
eu tenho este quase-fetiche em relação ao centro.
Trabalhei
a maior parte da minha vida produtiva no centro, estudei no centro, morei no
centro e mesmo hoje estando longe, quando posso dou uma passada por lá para
matar a saudade.
Não
tem muito como explicar isso. O centro é sujo, quando não está atopetado de gente
que nem da pra caminhar, está deserto e propício à ação dos meliantes. Muitas
pessoas detestam o Centro. Ir, passar ou estar nele causa arrepios.
Eu
não. Eu gosto.
Dia
desses estava de folga e aproveitei para dar uma passada e uma passeada por lá,
vindo “da” Tristeza.
Impossível
não passar pelo Mercado, mesmo não comprando nada, olhar as bancas e sentir os
cheiros, tomar um café, “dar uma banda” na Voluntários, entrando nos bazares,
ferragens e lojas de calçados, só para “dar uma olhadinha”. Passear pelo Centro,
mesmo sem muito tempo, apenas “de passagem”, é uma coisa que me dá muito
prazer. Me sinto em casa.
Sou
morador da Zona Norte há alguns anos e agora trabalho por aqui, mas ainda estou
me ambientando, descobrindo seus lugares, suas ruas, praças e conhecendo as
pessoas.
Cada
local tem suas sutilezas e seus encantos.
Gosto
do meu Centro, da minha Tristeza e aos poucos vou me acostumando, gostando e
fazendo também minha esta ZN.
Aquele
abraço!