domingo, 30 de outubro de 2011

Cachorro quente


Cheguei na lancheria especializada em cachorro quente, consultei o cardápio e encontrei um que era mais ou menos o que eu estava procurando: pão, 2 salsichas, molho, mostarda, “quétechúpe”, alface, tomate, milho, ervilha e batata-palha.
- Moça, quero este aqui, mas sem “quétechúpe”, milho, ervilha, tomate ou alface.
- Certo. Sem molho, ervilha, tomate e alface.
- Não! Sem MILHO, com molho.
- sem milho e sem molho.
- Com molho!
- Moço, por favor, eu tenho outros clientes pra atender – disse ela impaciente.
- Sim, eu sei, e tenho pena deles – pensei.
- Ok moça. É sem milho – falei.
- Certo. Pra beber?
Bem, à partir daí seguiu-se o diálogo padrão. Peguei um jornal da casa e fui sentar numa área externa, pois era começo de tarde e a temperatura apresentava-se agradavelmente primaveril.
Quando o cachorro veio, eu distraído na leitura, peguei, agradeci e mordi.
Batata-palha... Eu não gosto de batata-palha no cachorro, por que diabos estou comendo um cachorro com batata-palha? Por que não pedi para tirar? E cadê o queijo ralado?
A-há... Solucionado o mistério. Eu li batata-palha no cardápio e imaginei queijo ralado.
Um dia encontrarei uma carrocinha de cachorro-quente como as da minha infância, com um cachorreiro de avental branco, colocando aquele molho suculento no pão antes da salsicha e sobre esta a mostarda que ele aplicava com um pauzinho. Não era um pincel, não era uma colher, era um pauzinho que ele tirava lambuzado de dentro do pote de mostarda a passava na salsicha. Por fim, sobre tudo uma leve camada de queijo ralado bem fininho.
Salivando esperei aquele cachorro que viria quase como aquele dos meus devaneios, e ele veio. Com batata-palha...
Bem, não vamos estragar o almoço por uma bobagem destas.
Tirei a bata-palha com um palito e coloquei no prato.
Hmmmm... Muito bom!
Passou a garçonete e notou o estrago que eu havia feito.
- O Sr. Não gosta de batata-palha? – indagou ela incrédula.
- Não – respondi sorrindo, quase envergonhado.
- O Sr. Poderia ter pedido sem...
- Eu sei moça, mas na hora me confundi. Não tem problema, já retirei.
Percebi seu ar de tristeza contemplando as batatas derrubadas sobre o prato. Lançou-me um olhar de desprezo e reprovação e se foi.
Não entendi muito bem se o sentimento dela era pelo desperdício do alimento, pelo meu paladar desregulado ou um pesar pela batata em si, em solidariedade às batatas descartadas.
Sabe lá o que passa na cabeça de uma garçonete, de uma cozinheira ou de um dono de lancheria que inventa um cachorro quente com batata-palha.


Aquele abraço!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Que gente...!


Estou parado na porta de saída do ônibus, acabei de dar o sinal para ele parar quando sinto alguém me cutucando, tentando passar por mim. É uma jovem senhora. Força de um lado, tenta de outro, até que já meio irritada resolve se comunicar:
    - O Sr. pode me dar licença?
    - Não.
    - Eu preciso descer na próxima parada.
    - Isso é problema seu...
    - Mas é o fim da picada. Um homem velho... O Sr. deveria ter consciência do transtorno que causa às pessoas com esta atitude. Onde já se viu ficar parado na porta atravancando a passagem de quem quer descer? Por isso que este país está deste jeito, essa bagunça, falta de respeito generalizada, falcatruas, roubalheira. Cada um se preocupa apenas com os seus problemas e se lixa para as necessidades e os direitos dos outros.
    - “Ora, francamente, o Sr. não tem vergonha na cara? Se o Sr. ficar aí parado eu vou perder a minha parada! Vou ter que me queixar ao cobrador ou motorista? Vou chamar a polícia!
Algumas pessoas percebem o que está acontecendo e se divertem. Outras, percebendo o que poderia acontecer, mostram um ar apreensivo.
    - O Sr. não vai mesmo sair do meu caminho?
    - A Sra. deu o sinal para o ônibus parar?
    - Não, mas o que o Sr. tem com isso?
    - Porquê a Sra. acha que o ônibus vai parar sem ter dado o sinal?
    - O Sr. não está vendo a luz de “parada solicitada” acesa?
    - Sim Sra, mas porque ela está acesa? Será que está com defeito?
    - Ora, alguém deve ter dado o sinal...
    - Quem teria sido?
    - ...
    - Eu também vou descer na próxima.

Essa história não aconteceu inteira. Só até um pedaço. No momento fiquei imaginando isso tudo, pois é o que da vontade de fazer com algumas pessoas.

O mesmo tipo de gente que, sendo um rapaz passa na frente de uma senhora com uma criança no colo, que jovens, não dão lugar a idosos, que ficam com a mochila nas costas trancando o corredor do ônibus, que ficam na porta atrapalhando quem vai descer ou quem está subindo, gente que costura no trânsito, que não junta o cocô do cachorro, que não cuida da calçada, que esbarra na rua, que se acha mais importante que os outros, ou pior, que sequer enxerga os outros, nem percebe a existência de mais alguém ou nota quando somos gentis.

É brabo mas é queijo, diria meu pai.

Não faça isso que eu imaginei, viu? A vingança é sempre um prato indigesto, por mais frio que seja servido.
Gentileza gera gentileza? Talvez, mas não devemos agir assim esperando retorno das pessoas, pois a decepção endurece e amargura. Sejamos gentis pela pureza do ato, por nossa própria satisfação, por respeito aos nossos pais e à educação que nos deram, pelo engrandecimento da humanidade, mas não espere que isso seja notado ou levado em consideração.

Que gente...


Aquele abraço!